Transcrição de canto. Para brasileiros em contato com a pratica musical Yorùbá

Emiliano García Bolla

Belo Horizonte, junho/julho de 2009

 

Introdução:

O presente trabalho relata o processo de transcrição do canto Omo Tutun de origem Iorubá realizado por mim sob encomenda do prof. Nestor Lombida Hunt para o coral do Instituto da Cultura Iorubá em Belo Horizonte. Esse coral está formado por brasileiros e desenvolve suas atividades principalmente no Centro Cultural da UFMG, em Belo Horizonte.

No texto são mencionados alguns materiais de apoio, portanto acompanham a este texto 2 arquivos em formato PDF com as transcrições, 2 arquivos em MP3 com as gravações em áudio e 2 arquivos em formato AVI com os vídeos.

Arquivos:

audio1 ; audio2

transcrição1 ; transcrição2

 

 

Os professores envolvidos no trabalho realizado1:

Olúségun Akinruli – o coordenador do Instituto de Arte e Cultura Yorùbá (IACY) e do projeto “Agbára – Vozes da África” é nascido na Nigéria e vive em Belo Horizonte desde 2004. .Músico pianista, professor de inglês na escola Cultura Inglesa, de língua yorùbá do CENEX da Universidade Federal de Minas Gerais, e também do curso de Língua e Cultura Yorùbá, oferecido na PBH pelo IACY.

Dentre diversos eventos, foi organizador da 1ª mostra de Cinema Nigeriano na 4ª edição do Festival de Arte Negra (FAN), em 2007, e do 1º Seminário Internacional de Cultura Yorùbá, realizado no Centro Universitário Newton Paiva, em 2006. Sobre a cultura e tradição yorùbá, realiza palestras, tendo já participado de eventos em Salvador e Rio de Janeiro.

Nestor Lombida Hunt – Nascido na década de 50 em Havana (Cuba), é pianista, compositor, arranjador e regente de orquestra. Pertencente a União de Escritores e Artistas de Cuba, possui vasta carreira musical com atuação em diversas bandas e orquestras do país, tendo se apresentado já por países como Angola, França, Áustria e Turquia. Foi Diretor Regional de Educação Artística do Ministério da Cultura de Cuba, onde também ocupou o cargo de membro da Comissão Nacional de Avaliação do Setor Artístico Musical. Em Minas Gerais, foi professor da escola Pró-Music, onde criou (e regeu) a Orquestra Big-Band, e professor de arranjo e improvisação do CEFAR – Palácio das Artes.

Apresentação do caso:

Depois de já ter realizado alguns trabalhos de transcrição para o coral, foi me apresentada uma gravação para realizar a transcrição de um novo canto. Essa gravação (audio1) tinha somente a primeira parte do canto e nenhuma percussão: somente a voz.

Por minha experiencia, desde a primeira escuta, me pareceu que era de divisão binária e que caberia escrever o canto em compasso de 2/4 como como aparece na Transcrição1.

Ao apresentar a transcrição ao prof. Nestor Lombida ele me informou que esta não condizia com a realidade. O problema não aparecia na identificação de notas mas sim na rítmica: a percussão criava um contexto rítmico completamente diferente onde a métrica transcrita não se encaixava corretamente.

Assim me foi entregue uma segunda gravação (audio2) que incluía uma base rítmica tocada em 3 tambores batá e uma segunda parte do canto.

Essa gravação não foi suficiente pois a segunda transcrição que realizei também estava errada. Pelas expressões dos professores e minha experiencia anterior com transcrições entendi que faltava entender qual era o pulso (se o havia). Isso me motivou a reunir me com os professores para tratar do assunto, e nessa reunião pedi a o prof. Olúségun Akinruli que me mostrasse (apelando a seu conhecimento da musica e tradição iorubá) o pulso presente nesse canto. Assim aparecem os exemplos em video1 e video2.

Agora, com essa nova informação, usando os vídeos e a gravação do canto (audio2), com o auxilio do software Transcribe (reduzindo a velocidade de reprodução e observando a representação gráfica)2, realizei transcrição que aparece na figura2.

Da gravação observei que os tambores produziam, entre outras coisas, uma célula rítmica de basicamente três golpes que se repetiam: um grave e dois mais agudos, sendo o segundo golpe acentuado (fig.1).

 

fig1
fig1

  

 

Com a ajuda do software procurei e detectei a coincidência de certos ataques silábicos3 com o golpe grave da célula rítmica produzida pelos tambores. O mesmo procedimento foi aplicado na análise do áudio dos vídeos, nos quais foi percebida uma melodia vocal ternária sobre uma marcação binária.

O resultado é mostrado na Transcrição2, que foi aceita como correta, onde a linha superior do sistema contém a melodia vocal comum a todas as gravações, a segunda e terceira contém o pulso marcado pelos golpes de mão e a sub divisão realizada pelos pés que aparecem nos exemplos presentes em video1 e video2, e a quarta linha do sistema contém uma simplificação do toque dos tambores da gravação (audio2) reduzido à celula apresentada acima (fig.1).

Considerações:

Especificamente nesse trabalho o objetivo da transcrição era estabelecer os sons e a rítmica da melodia e não dos tambores, pois seria usada para a realização de um arranjo para o coral do instituto. Assim também estaria fora do objetivo o fraseado.

A transcrição pode apresentar inexatidões na rítmica e afinação, porém neste caso não podemos saber, a priori, se fazem parte da linguajem musical utilizada no estilo original do canto ou por problemas técnicos dos intérpretes.

O canto tratado neste trabalho pertence a uma tradição de transmissão oral da musica, proveniente da Nigéria, portanto a tentativa de transcrição no sistema de notação musical (tradicional de origem europeu) implica não só a necessidade de entender como funciona um “novo” sistema musical, mas também de estabelecer uma forma de tradução para poder transmitir da forma mais fiel possível, e de maneira assimilável, as diferentes relações, por exemplo rítmicas, implícitas de um sistema musical a outro, aproximando assim as culturas envolvidas no processo.

Bibliografía:

LUCAS, Glaura. Considerações sobre o Uso de Representação Gráfica como Auxílio no Processo de Transcrição em Etnomusicologia. Anais do XIII Encontro da AMPOM (2001), p.231-238.

NATTIEZ, Jean-Jacques. Etnomusicologia e significações musicais. Per Musi, Belo Horizonte, n.10, 2004, p.5-30.

SANDRONI, Carlos. Feitiço Descente: transformações do samba no Rio de Janeiro (1917-1933). Rio de Janeiro. Zahar/Ed. UFRJ, 2001.

Site de referencia:

http://institutoyoruba.com/

 

NOTAS:

1A informação sobre os professores foi extraida do site do Instituto da Cultura Yorubá. http://institutoyoruba.com/

2De maneira similar à descrita por LUCAS (2001).

3Por meu desconhecimento da língua iorubá não posso afirmar que eram sílabas, portanto chamarei de ataque silábico à inflexão linguística produzida por um som de letra consoante precedido e sucedido por som de vogal. Esses ataques determinam o ataque de notas, ora iguais ora diferentes, criando a melodia.

 

fig.1