Factores de identidad musical latinoamericana tras cinco siglos de conquista, dominación y mestizaje
Autor: Coriun Aharonian
Fonte: Latin American Music Review / Revista de Música Latinoamericana, Vol. 15, No. 2 (Autumn – Winter, 1994), pp. 189-225
Publicado por: University of Texas Press
URL: http://www.jstor.org/stable/780232
Resumo crítico
Trata-se de um texto muito bem conduzido e sintético (considerando a questão colocada) marcado pela forte opinião, de cunho “anti-imperialista”, do autor sobre a relação entre política econômica e a produção musical latino-americana ao longo dos últimos quinhentos anos. Opinião que está muito bem fundamentada na ampla e extensa bibliografia utilizada como base para cada uma das onze partes em que foi dividido o artigo e na própria experiência de vida do autor uruguaio.
Coriun Aharonian conta com muitos trabalhos acadêmicos publicados, além de uma extensa experiência como professor na área musicológica e como compositor, tendo suas obras executadas em mais de trinta países. É ex-chefe de cátedra da Universidade nacional do Uruguai, membro fundador e integrante do comitê executivo do IASPM, e membro do conselho presidencial do SIMC.
No artigo, Aharonian discute algumas características da produção musical latino-americana desde um ponto de vista social, comentando sobre política econômica, em busca da identidade comum no enorme caleidoscópio étnico-cultural latino-americano.
De maneira geral o autor coloca que existe uma enorme diversidade cultural (tratando principalmente a questão musical) que, apesar de ter muitos elementos unificadores, encontra-se submetida a, praticamente, um único eixo de poder. Essa diversidade tem sido e é muitas vezes sua grande fraqueza por produzir uma lógica e possível fragmentação da sociedade latino-americana. Facilitando a ação de formas artísticas como importantes agentes de dominação cultural, o que traz consigo uma evidente dominação econômica (e/ou vice-versa, pela influencia que a economia exerce sobre a produção cultural).
As partes que compõem o artigo estão tituladas com números, porém escritos por extenso como se o autor estivesse enumerando pontos em fundamentação para uma crítica.
Na primeira parte, ou “uno”, realiza uma introdução aos problemas que se apresentam ao tentar falar de cultura latino-americana, e mais: se existe unidade ou não. Evidenciando a enorme diversidade étnica e cultural que encontramos no continente americano através da menção das três principais vertentes que a formam: a indígena, a européia ocidental e a negra africana subsaariana. Assim também realiza comparações entre habitantes de diferentes regiões, estabelecendo que há grandes diferenças e perguntando-se se há coisas em comum. Ao dizer do autor o diverso poderá obstaculizar projetos comuns ou o que houver em comum poderá ser essencial para a unidade.
Na parte “dos” apresenta a música como elemento de poder utilizado pelos colonizadores e no ponto “três” nos fala, de maneira absolutamente sucinta e geral, como foi aplicado através da criação de modelos musicais que se “transformam em poderosos fatores unificadores em todo o território colonial”.
A problematização sobre a diversidade cultural americana aparece no ponto “cuatro”, onde aprofunda sobre as três principais vertentes, antes mencionadas, e como elas também não são puras, mas sim completamente heterogêneas. Comentam-se neste ponto algumas características de alguns dos vários sistemas musicais que apareciam nas diferentes culturas que faziam parte das populações indígenas, dos agentes executores da conquista e dos africanos forçados à imigração. Fala também de como a música popular ou “mesomúsica” (citando a Carlos Veja) teve um fluxo de intercambio cultural muito mais dinâmico que a música pertencente à “norma culta” ou oficial, influindo assim até na criação da mesma.
Nos pontos “cinco” e “seis” fala sobre os fatores de unidade cultural que começam a aparecer desde cedo e cita exemplos a través dos quais estabelecerá elementos de força latino-americana.
Já a partir do ponto “siete” começa um tratamento das forças políticas que intervêm no processo conquistador e colonialista desde antes de 1500 até nossos dias, argumentando que a esquerda e a direita se confundem nesse processo. Desde que a colonização não é o resultado da ação da extrema direita européia e sim de várias forças entre as quais a esquerda (tanto a européia que “não vê com maus olhos” o processo colonizador, quanto a americana, que, buscando evolução, acaba adotando uma postura na qual “o europeu é mais e o não europeu é menos”) favorece, de várias maneiras, um processo de submetimento cultural persistente até hoje.
Aharonian segue no “ocho” fazendo uma crítica ao sistema musical “culto” em América, incluindo dessa vez os Estados Unidos, e concluindo que as universidades acabam sendo centros “castradores” e “europeizantes”. Havendo, inclusive, um sistema de controle institucionalizado da produção musical que dificulta ou evita a geração de reais “contramodelos cultos”. Exemplifica com a citação das orquestras que continuam a reproduzir sistematicamente as obras de compositores europeus, muitas vezes em detrimento dos compositores locais.
Assim passa, no “nueve”, a discutir algumas das dificuldades de produzir musica culta original na América Latina, e como isso existe em certa medida na música popular também. Dificuldades que radicam na constante imposição de modelos externos através dos mecanismos de poder, do sistema educativo institucional e não institucional, e da apropriação de recursos musicais latino-americanos a modo de “matéria prima” musical que será devolvida, processada, em novos modelos que serão impostos. Fala de uma “helenização de Roma” que pode ser vista, a priori, como uma simples compensação. E digo a priori porque no “diez” começa a comentar sobre a importância da toma de consciência do “multivalente significado dos cinco séculos de conquista, dominação e miscigenação”, que pode trazer consigo mudanças a nível artístico e conseqüentemente a nível de cultura num conceito amplo da palavra que inclui outras áreas como a economia.
Para finalizar, no “once”, critica os setores revolucionários ou renovadores da sociedade latino-americana por não funcionarem em prol das necessidades ou valores culturais da minoria, ou da maioria menos privilegiada dessa sociedade (de modo geral os índios, negros e descendentes dos mesmos) e sim buscando a universalização dos modelos europeus. Estabelece assim os movimentos de esquerda como agentes fundamentais do sistema colonial por resultar alienados de sua realidade, e com a “vocação messiânica” muitas vezes observada, retroalimentam-se e fortalecem-se, criticando e desmerecendo maneiras da expressão cultural local, perpetuando o submetimento político-econômico-social e cultural da América Latina.
O presente artigo aparece como um estimulante apelo para a construção e divulgação massiva de conhecimento sobre as origens dos elementos culturais que aparecem ao longo do continente, para a criação de uma consciência coletiva mais favorável aos interesses locais e mais livres de do poder hegemônico europeu e atualmente estadunidense. Mostra também que a conscientização sobre a “realidade real” das sociedades latino-americanas é fundamental para a produção artística, e que, a partir daí as escolhas aparecerão nas soluções criativas manifestas na obra do artista.
De forma mais implícita do que explícita, porém servindo-se de uma fundamentação sólida e válida, expressa que, mesmo dentro desse caleidoscópio cultural (que por si só pode ser muito poderoso), existem muitos elementos unificadores não somente na música, mas nas diversas manifestações artísticas, que servem de base para um crescimento social e com um enorme potencial.
Emiliano García Bolla
Setembro de 2008
Escola de Música da UFMG
Belo Horizonte – MG – Brasil